sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Que tempo é esse?

Tantas coisas acontecem nessa vida, que as vezes sinto urgência de viver. E outras vezes me sinto como uma criança do interior assistindo o movimento frenético do Largo da Carioca num dia de semana. Tudo passa tão rápido que quando finalmente consigo estender minha mão, apalpo o vazio.


Quando penso que é dia, já chega a noite, quando penso que é frio já estou molhado de suor. Quando acho que sou homem já me tornei mulher, quando pensei que fosse criança já havia me tornado um homem. E quando percebi que amei, o amor já estava se despedindo.

Já passei por tantas casas, conheci tantas pessoas de todos os tipos e ofícios, pessoas que serviriam pra todo tipo de coisa num mundo em que o que conheci como pessoa, não passa de objetos aplicados a uma função específica num determinado momento. Cada mais mais distantes, mais reduzidos. A tecnologia me obriga a escrever cada vez menos, a me reduzir, a ser sintético?! A síntese demasiada me destrói e não sei o que dizer.

É... certamente eu sou de outro tempo, outro mundo, e caí nesse de paraquedas, já que inclusive as lembranças dessa vida já me parecem lembranças de séculos, e minhas duas décadas e pouco de encarnado já me colocam tão fora do contexto do tempo da maioria. Tempo é um estado mental conjunto em que as pessoas em geral se alinham e ficam em transe, sugando-se mutuamente, cultivando-se, alguns alienando-se... pois na verdade nascemos sozinhos, vamos permanecer assim até o fim da vida, e da mesma forma passaremos pro outro lado. E no meio de tanta coisa estranha, me pergunto... “o que eu vim fazer aqui mesmo?” tanta coisa acontece nessa vida que fico sem saber o que acontecer.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Adeus ano contemporâneo

    Lá se foi mais um ano no calendário da Terra, e o que aprendi nessa retrospectiva parcial? Aprendi que uma grande parte do que acreditava no ano passado se mostrou em outra perspectiva, demonstrando que meu olhar era limitado e preconceituoso. Deu pra aprender que não direi mais que jamais farei alguma coisa, pois será justamente a coisa que prometeu jamais fazer que se colocará diante da mesa para sua apreciação. Aprendi a tomar cuidado com as coisas que abomino estranhamente e jogo nos cantos do consciente, no limiar da insconsciência, sem dar atenção... pois a poeira sempre se levante ao leve sinal de vento.
Percebi que, as vezes precisamos apertar o botão de pause e analisar o que está acontecendo, para onde está indo, mesmo dando-se conta que não tem a menor idéia de que lugar está indo. Liguei o GPS, mas as indicações automáticas são inúteis... sim, estou sozinho. Não, eu estou acompanhado, mas no fundo, você nasceu nu, nasceu sozinho e também estará assim no último minuto.
  Consegui realizar grande parte dos meus desejos, e vi o sucesso dos meus amigos, quebrei correntes, chorei, sorri, esperneei, dormi.
   2010 me saiu bem melhor que a encomenda, com a certeza de que posso tudo aquilo que queira, quem dirá 2011... que venha, e seja bem vindo.

domingo, 20 de junho de 2010

A morte do Imperador

Tuas palavras duraram por anos, mas fundaram-se no vento.
Teu castelo foi de areia, e sua carne etérea
Tuas leis era tiranas, seu desejo, uma ordem
Teu amor era regra, era fútil era vazio, era grande

De escravo do Deus, quebrei as algemas
A alforria necessária, o dúbio pensamento
Para viver, mato meu imperador
Não vivo enquanto o império permanecer

Ó Grande! Separados por duas Copas
Quanto mais perto, mais longe
Sete palmos abaixo do coração
Envio-te ao seol, para que se torne pó
Imperador, não mandas mais em nada
Hoje sou livre, sem sua sombra, sem seus mandos
Siga seu caminho, sem seu reino
Quem impera no meu terreiro, é a felicidade
Foi louco enquanto durou, intensamente
Angustiante permanecer quatro anos no calabouço
Somente por seu capricho, seu gozo

Lamento, Imperador.
Condeno-te ao desterro do meu peito
Suas coisas,queimei, sua lembrança, se desfaz.
Sou pleno, agora respiro.
Adeus.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

E se...


E se, o se fosse verdade, apenas pela possibilidade, no caso de ser pensado
Se os nós do pingo d’água, se transformassem em lágrimas vertidas em dor
E, se as lágrimas, oceanos particulares, fossem suficientes para afogar mágoas

Então, o tempo, algoz dos amantes distantes, em punho teria os chicotes
E as costas, de peso íngrime, teriam as chagas da desventura
O rubro suco regaria a terra, e a fertilidade seria garantida
Pelo veneno da tinta, pela paixão maldita

Pior que o pensar, é a dúvida do saber,
De no caso, na possibilidade, daquele ser
Portador das setas de Eros, teu amor reconhecer

E se nem Psiqué, bela e pura, vestida de formosura
Em teus olhos pode penetrar
Quem dirá eu. Reles humano, poria-te em meu altar

Profano, como a criar semideuses
Meio-humanos, meio-bichos, com sopro de ar
Ao pé do ouvido, a suspirar, a suplicar...
Mais uma vez, toma-me! Se, o se fosse verdade.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Esquina da perdição


Perdido na condução, fui conduzido até aqui,
Na esquina da perdição
Desci, e pisei nas fantasias rotas do desejo
A oferta da carne é farta,
Qual das peças peço, qual como? Qual come?

Procuro ouro no garimpo esgotado,
As partes da luxúria em exposição
As bocas cheias de vazio
E as mentes vazias de conteúdo

E, a caça continua, a busca
Pelo que, ou por quem…
Perdido na esquina da perdição
Por interesse, ou aquém

No lugar onde a fala é muda,
Grita o desespero da lascívia
Na esquina da perdição
A caçada, o homem, e o vão.


terça-feira, 30 de março de 2010

Despedidas



Despedidas são pequenas mortes, 
quando o momento se aproxima, o coração infla e, o corpo sente a dor. 
As lágrimas não encontram lugar para serem vertidas, 
A garganta se contrai e, um profundo suspiro se forma, 
como combustível que alimenta as lembranças de momentos passados,
os felizes e os tristes, os carinhos e brigas.
A música que marcou determinado momento, 
toca ao mesmo tempo em que o vento trás ao olfato o cheiro que não é seu,
mas que esteve impregnado em seu corpo por tanto tempo
Então as lágrimas encontram um canal para desembocar.
Rolam pela face dura de uma imagem que aparenta ser rígida, 
descubro que sou humano e que amo, 
que tenho sentimentos e que eles doem. 


Despedidas são pequenas mortes,
onde os corpos são postos num grande campo,
com os rostos virados ao Sol, num local de fácil acesso
com códigos específicos que apenas você sabe o caminho. 
Rostos e vozes que, provavelmente jamais tornarei a ver e ouvir em minha vida,
mas que deixamos uma cópia em nossos cemitérios secretos. 


Despedidas são pequenas mortes,
que darão origem à vida, 
e ela que nos impulsiona a continuar o caminho sem medo, 
mesmo tendo cada vez mais consciência de que,
as despedidas são pequenas mortes inevitáveis.


Clayton Fernando / 2004



quarta-feira, 17 de março de 2010

Quem não chora, não mama, segura meu bem, a escopeta!

  
            Ultimamente, os políticos brasileiros, representantes do povo, diga-se de passagem; tem apresentado atitudes um tanto inusitadas no campo da política.

            Desde já vamos separar bem, o que é política, o que é religião, o que é economia e o que é emoção. Todos os ingredientes devem ser tratados e trabalhados a distância. Se possuíssem rótulo, estaria escrito “Perigo – manuseie com cuidado”. Porém, Economia e políticas são braços do mesmo corpo e andam mais unidas que o ideal.

            O reino da emoção se estabeleceu primeiro em Brasília. O presidente Lula chorou ao ser diplomado pelo TSE, em 2002. Disse ele na ocasião, que apesar de não ter feito curso superior, recebeu seu “primeiro diploma” como presidente do Brasil. Imagina se a moda pega...

Alguns anos depois, na eleição do Brasil para sediar os Jogos olímpicos de 2016... chorou bastante e disse que “o mundo reconheceu a vez do Brasil”.. ótimo, todos ficaram comovidos com ele, que meigo, um presidente que não tem vergonha de chorar!

            Depois Lula chorou na FIESP ao falar do seu vice, José Alencar dizendo “foi uma dádiva de deus ter te encontrado”. Que lindo, fiquei comovido... um presidente que chora ao se referir ao vice.  Sem esquecer que ele também chorou em uma entrevista para o programa ‘Hoje em Dia’ da RedeTv! ao lembrar da primeira esposa, mineira... aí fiquei apaixonado pelo Lula! Além de ser presidente, não ter vergonha de chorar em cadeia internacional pelas olimpíadas, não ter vergonha de chorar pelo vice, também é romântico! Com certeza é o homem que toda dona de casa gostaria de ter.
 

            Em novembro, na Bahia, foi as lágrimas com um estudante da sétima série, quilombola, após o menino ter ganhado um certificado de uma redação sobre Zumbi dos Palmares... nossa, ele é um populista pai!

            No dia primeiro do ano de 2010, fora lançado um filme sobre sua vida “Lula, o filho da mãe do Brasil”... nem preciso dizer que o homem chorou ao ver sua vida na tela... e mais uma vez... além de presidente, é sensível, romântico, ‘diplomado’, ’pai do povão’, tem um filme sobre ele, se auto-intitula portador do “vírus da paz”... que vergonha alheia! Cansei, daqui a pouco vou começar a chorar também.


            Como se não bastasse um bebê desses, eis que vemos no Rio a moda pegando com nosso digníssimo Governador Sergio Cabral, que foi aos prantos com a ‘covardia’ que fizeram com os cofres o Estado do Rio de Janeiro na divisão dos Royalties do Pré-Sal... o bolso Estado deixa de arrecadar bilhões com a nova proposta de divisão. O homem chorou como criança para defender a baba que ganharia seu povo fluminense! E não fica por aí não... se o bebê chorou e não deram chupeta, bebê vai fazer pirraça!

            O governo organiza hoje a tarde, (17 de março de 2010) uma manifestação com concentração na Candelária, às 16:00 horas com destino a Cinelândia.
São esperados vários cantores(?) inconformados com a ‘covardia’. Só pessoas de grande expressão intelectual, como: Sandra de Sá, Leandro Sapucahy, Pedro Luis e a Parede, Gustavo Lins, MC Sapão, Grupo Revelação, Grupo Molejo, DJ Malboro, Pixote, Suingue e Simpatia, Nega Gizza e MV Bill,  DJ Sany Pitbull e neguinho da Beija-Flor, que comentou “Acham uma pedra de ouro na minha casa e sou obrigado a dividir contigo? Alô Congresso! Alô presidente Lula! Arra urrú! O petróleo é nosso! O Rio de Janeiro viu primeiro!”. Além das baterias da  Grande Rio, Salgueiro, Mangueira, Portela  e Vila Isabel. Eu mereço!!!!!
São esperados cerca de doze mil manifestantes de municípios vizinhos, e o Governo Estadual ordenou decretou liberação automática ponto facultativo aos servidores do Estado após as 15:00 horas, para que possam comparecer.

            Margarida S. (nome fictício), enfermeira do Hospital Estadual D. Pedro II, em Santa Cruz, comentou sobre a ordem recebida internamente. Diz que o governador pediu que todos os servidores possíveis e disponíveis fossem para a Candelária para a manifestação. Disse ela: “Pra cortar todos os benefícios da gente ele serviu, cortou rindo! Se juntou com o Eduardo Paes (prefeito) e cortou tudo, agora ele vem chorar e pedir pra gente se manifestar? Eu vou levar é uma faixa bem grande chamando ele de safado.” Acho que depois dessa declaração, nem preciso comentar muita coisa, fala por si mesma.

            Do jeito que as coisas caminham, é o povo brasileiro todo quem vai chorar, se todos os governadores resolverem atirar de sentimentalismo para alcançar objetivos, e se todos os presidentes do mundo quebrarem o protocolo e passarem uma imagem de sentimentalismo barato, nada mais funciona da maneira que deveria. Onde poderemos ser tratados como um país sério, se tentamos usar de chantagem emocional para alcançar as metas?

            Será mesmo que chorar e se auto-intitular pax-virulento, é pretexto para entrar num contexto internacional como a questão da Palestina e Israel, e tratar do assunto de forma praticamente leviana, é atitude de um chefe de Estado? Sinceramente, o Sr. Presidente não deve nem saber a origem do conflito entre esses dois povos, pra dar pitacos em seus territórios... mas quem se importa?! Eles são brasileiros, eles choram!!! São tão meigos e conseguem o que querem. Por favor me avisem quando diplomacia se tornou sinônimo de apelação sentimental.

            Ô Governo, ta me ouvindo?! Distribuam lenços pro povo, porque nós sim temos motivos pra chorar.  A educação continua ineficiente, a saúde pública (se é que ela existe) cada vez mais sucateada, pessoas aos milhares morrendo pelos corredores e sem atendimento, a corrupção continua rolando solta, sem eira nem beira, a marginalidade aumenta, a criminalidade aumenta, a alienação se multiplica a passos bacterianos!

            Sim, nós podemos chorar, porque lá nos altos cargos, não choram por você, choram por eles mesmos.
  
          

terça-feira, 9 de março de 2010

Morro da Quizumba - Parte II


Lembro-me como se fosse ontem, estávamos em casa assistindo televisão quando ouvimos rajadas de metralhadora, foi aquela correria, todo mundo se jogou no chão da sala, minha mãe saiu correndo pra fechar as portas e janelas, as rajadas ensurdecedoras continuavam como se estivessem na nossa porta, meu coração quase pulava pela boca de tanto medo. 


Então ouvimos um estrondo muito forte e a energia elétrica caiu. Parecia que estávamos no umbral, ouvimos os bandidos gritando uns aos outros do lado de fora que era invasão do morro do Caramujo, e atiravam morro abaixo, enquanto os invasores atiravam morro acima, sem rumo nenhum, pois a escuridão era cega, várias balas acertaram a nossa casa, o terror aumentava e todos nós juntos, abraçados no chão, suando durante horas com aquele show pirotécnico, olhei por uma fresta da janela do quarto e vi as balas traçantes riscando o céu, joguei-me no chão novamente, e ouvi minha mãe rezando, pois meu pai sempre trabalhou durante a noite e estava na rua naquele instante, e meus primos envolvidos também estavam na rua, no meio da bandidagem. Aterrorizados, ouvimos á distância um grito que se aproximava cada vez mais de nossa casa. 


Um dos bandidos invasores tinha pego o Deco, e o arrastava pelos cabelos pelas escadarias. Ele gritava pelo amor de deus, acho que deus não deve ter ouvido, ou estava muito longe naquela hora. Deco estava tão flagelado por ter sido arrastado morro acima, que parte de sua carne ficou presa pelas escadarias, aquela dor doía em nós, que desespero, jogaram o primo atrás de nossa casa, e enquanto pedia pelo amor de deus por sua vida, os invasores pegaram uma faca, amarraram num poste, e começaram a rir em êxtase enquanto cortavam aos poucos parte dos seus dedos das mãos, e os gritos aumentavam na mesma intensidade das gargalhada dos algozes, em seguida cortaram-lhe partes do braço e as orelhas, os gritos de Deco pararam. Não sabia se tinha morrido naquela hora ou desmaiado de tanta dor.

Meu tio Geraldo, como todo pai, desesperado correu para fora de casa para pedir pelo filho. Não deixaram sequer tio Geraldo falar mais que algumas frases, atiraram em sua cabeça, e disseram: "Isso é por você ter criado esse filho da puta". Minha mãe desmaiou no chão, minha avó teve crise nervosa. Realmente estávamos no inferno, e aquela noite não passava nunca. Diziam:

-    Traz esse viado aqui...

-          Pega logo essa porra desses pneu malandro, vamo fazê churrasco pra dar pra esses vagabundos saberem quem manda nessa porra! - Cadê a gasolina cumpadi?! (gritando) Cadê a porra da Gasolina cumpadi?! Fica ligado malandro, senão tu dança também. - Fica ligado aí, se subir x9 tu manda chumbo na lata - Aê cambada de bosta! (gritando aos moradores que estavam com certeza ouvindo), Vocês vão ver quem manda nessa porra! A Quizumba é nossa! E o safado que tentar peitar a gente vai tomar no cu bonito! Tô fazendo um churrasco aqui pra vocês! (gargalhadas, que escuto até hoje) 


-  Isso aí malandro, molha esse cretino, dexa ele bem ensopado que é pra fritar melhor... (tempo) pega o isqueiro... enfia esse viado dentro desses pneu que tu juntou, anda logo malandro, tá de caô?!... - Agora taca fogo nessa merda e deixa ele fritar! (gargalhadas)

Meu deus do céu, que agonia dentro de casa, não podíamos fazer nada, e isso doía, era como se estivéssemos num filme de terror, era como se tudo não passasse de um pesadelo e que eu iria acordar a qualquer momento. 

De repente o Deco acordou, e estava gritando horrivelmente, sua carne estava sendo queimada; por deus, ele ainda estava vivo! A borracha dos pnues derretia em seu corpo que queimava, e seus gritos com o tempo cessaram. 

Com certeza ali ele morreu, naquele instante, entre risadas, xingamentos, ao nosso lado, não podíamos fazer nada, e o corpo de meu tio ali a poucos metros de distância do filho. Como era de se esperar, o cheiro de carne queimada com borracha começou a invadir nossa casa e a vizinhança, vomitamos ali mesmo, todos nós, mas estávamos aterrorizados demais para conseguirmos nos mexer.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Morro da Quizumba - Parte I




Éramos uma família grande, poucos adultos mas muitas crianças. Bons tempos aqueles na favela da Quizumba, a gente não via essas malandragens pelo morro, a gente brincava na rua até tarde, tacava pedra nos telhados dos barracos mais baixos; de vez em quando vinha uma vizinha chata reclamar com nossos pais... a gente se escondia no mato e não tinha perigo dos bandidos pensarem que a gente tava se escondendo deles, a gente brincava de pique esconde na barreira e ficava até altas horas conversando besteira e fazendo zona e gritaria... quase ninguém ligava.
Quando faltava água lá em casa a gente pegava uns baldes bem grandes e uns barris como aqueles de azeitona e, descíamos o morro até o poço, cada um tinha a sua caçamba, e a gente pegava água, subia aquela escadaria toda com o peso na cabeça, com os pesos nos braços. Meus primos e eu passamos toda nossa infância assim, carregando água quando faltava.

Eram cinco casas, a da minha avó na frente, a do tio Geraldo em cima da casa da vó, a da tia Cristina atrás da casa da vó, a minha do lado da casa da vó; a do tio Jaime ficava atrás da minha. Na casa da vó moravam, ela, tia Maria e meu primo Clementino, na casa do tio Geraldo moravam a esposa, e seus quatro filhos, Aninha, Deco, Marta e André; na tia Cris, o marido e seus três filhos, Tainá, Cláudio e Flávio; o tio Jaime era muito misterioso e morava sozinho, todo mundo achava ele muito estranho, lá em casa, além de mim, moravam meus pais e meus quatro irmãos, Bruna, Talita, Rodrigo e Caio.

Eu sei que são muitos nomes e muita coisa pra se lembrar, no morro tinha um posto de saúde que até funcionava, e tinha uma enfermeira enorme e ignorante que falava que pobre se multiplicava que nem rato.
As bocas de fumo do Quizumba ficavam muito no alto do morro; a gente sempre via aqueles carros de rico subindo, uns mauricinhos subindo... só gente da grana, claro que iriam comprar porcaria, mas as coisas parecem que se modernizaram, agora eles podem continuar no asfalto que as drogas chegam a eles em esquema "delivery". Eu era o mais novo na minha casa, e quando tinha cerca de oito anos, uma das bocas de fumo se mudou pra frente da minha casa, era muito estranho e muito novo aquilo tudo, quando saía pra escola, tinha que passar no meio deles, mas minha mãe dizia pra eu passar sem falar nada e nem ficar olhando, mas pra não ter medo. Dizia que se me oferecessem alguma coisa, pra eu negar. De manhã cedo ficavam amarrando umas trouxinhas com um pozinho branco dentro, tinha um que parecia mandar mais, andava com uma bolsinha cheia de dinheiro. E era na minha porta que os mauricinhos e companhia vinham comprar as porcarias.

Meus pais e meus tios ficaram desesperados, porque nós tínhamos que passar no meio da bandidagem, era certo da polícia bater lá qualquer hora, e que casas seriam invadidas?! As nossas, que ficavam mais perto da boca.
O Deco sempre teve a cabeça meio fraca, era o mais velho dos primos, e gostava da vida fácil, detestava trabalhar, e estudar nem se fala. Ou seja, como quem trabalhava duro, andava com roupa velha e, quem ficava vendendo porcaria andava muito bem vestido e tinha o que queria, inclusive mulher, o Deco se bandeou pro lado deles. Quase que o Tio Geraldo morreu de desgosto, aliás, a família inteira. O Deco ficou amigo do chefão do morro, um tal de "Cicatriz", e depois influenciou o Cláudio pro mesmo caminho. Estiveram muito bem durante alguns meses, até que a bandidagem do morro vizinho, Morro do Caramujo, invadiu nosso morro... foi a pior coisa que poderia ter acontecido com a gente.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Haiti – Terra da Esperança. Para quem?



O Haiti, após o desastre causado pelo terremoto do início de janeiro, tornou-se foco de todos os olhares mundiais, em todos os sentidos da palavra. Solidariamente, o mundo inteiro se comoveu, enviando dinheiro, alimentos, bebida e medicação aos milhares de sobreviventes e desabrigados. Soldados, principalmente de dois países, atuam na logística de fornecimento. Brasil e Estados Unidos. E conflitos a respeito de hierarquia, tem surgido durante a atuação de ambos. Por que razão o Haiti chama tanta atenção?


Além de ser reconhecidamente o país mais pobre das Américas, situa-se no Mar do Caribe, próximo a Cuba e de frente para a saída do canal do Panamá, única passagem de navios entre o Oceano Pacífico e o Atlântico. Como exemplo da importância deste canal, digamos que os Estados Unidos queiram transportar uma carga de grande importância militar ou econômica por via marítima, de Los Angeles, no Oeste, até Nova Jersey, no Leste. Esta embarcação deverá apenas cruzar o Canal do Panamá e brevemente chegará ao seu destino. Caso contrário, deveria descer todo o litoral da costa pacífica da América Latina, cruzar o sul do Chile e subir novamente todo o Atlântico para finalmente alcançar Nova Jersey. São muitos dias de viagem, são milhares de dólares em jogo, uma guerra se vence por meio de logística, e o tempo é questão crucial. O domínio do Mar do Caribe, é portanto peça chave para manutenção e proteção dos negócios norte-americanos. Cabe salientar, que este canal teve sua construção terminada com o apoio do presidente Roosevelt, no início do século XX, e custou a independência do Panamá. Claro que tudo tem seu preço, e este canal esteve sob administração exclusiva americana até o fim de 1999.

Por outro lado, temos o Brasil, buscando incansavelmente, por décadas a fio, um assento permanente no conselho de segurança na ONU. Este conselho é tão almejado pelo Brasil por ser de notoriedade internacional, onde os grandes sentam a mesa para conversas de adulto, e ditam as principais decisões mundiais. Somente para constar, fazem parte deste conselho, EUA, Rússia, China, França e Reino Unido. Que permanecem os mesmos ‘permanentes’ desde sua criação, em 1946.  No entanto, o Brasil não possui um histórico de interferências em conflitos militares para ter como base para pleitear este assento, sequer possui poder bélico ou econômico suficientes, se comparado aos demais. Normalmente sempre posto a margem, o Brasil tem a fama internacional de peacemaker, detentor de softpower, aquele que consegue, ou pretende apaziguar os ânimos belicosos, e tenta acabar com os conflitos internos em determinadas regiões, sem necessariamente usar armas.

Em 2004 fora criado no âmbito ONU, o MINUSTAH, sigla francesa que designa a missão para estabilização do Haiti, que já sofria com conflitos internos e a insurgência após a deposição do presidente Aristide. O Brasil chefiava a missão de paz, com sua experiência em favelas, poderia ser efetivo no ambiente haitiano, que se assemelhava as favelas cariocas. Este foi um dos grandes passos para a elevação internacional do Brasil na intervenção militar pacífica num país estrangeiro, claro, sob a tutela da ONU.

No dia 22 de janeiro, os Estados Unidos fizeram uma megaoperação midiática, reunindo os maiores astros de Hollywood, onde os astros do cinema atendiam ligações de doadores para o Haiti, e cantores fizeram shows em prol das vítimas para aumentar o número de doações. Jornalistas passaram a explorar a tragédia como um reality show, no verdadeiro sentido da palavra. Claro que todas as doações são extremamente válidas para auxílio e reconstrução; porém, esse é o típico poder midiático de comoção da opinião pública para validar uma ação iminente.


O expectador, claramente chocado, aceita intuitivamente, que é necessário que o ‘salvador do mundo’ entre em ação efetiva para libertar os sofredores. Tão logo, a ação ocupacional dos Estados Unidas tem grandes chances de ser aprovada pela sociedade, pelo menos pela americana. 

Pois temos exatamente neste instante, no palco do Haiti, um conflito de egos. Brasil e Estados unidos brigam, no sentido diplomático da palavra, para conquistar o reconhecimento internacional de líder da missão no Haiti. Durante encontro, o General Brasileiro, Floriano Peixoto Neto, chefe da missão de paz, diz que "Cada parte é muito bem definida, por meio de protocolo de entendimento, assinado pelas duas partes, o que nós faremos aqui", referindo-se ao fato de que, como o Brasil tem maior contingente atuando no Haiti, e a presença contínua desde 2004. Tem praticamente como natural a liderança brasileira.  Seu contraparte americano, General Ken Keen declarou que "O presidente Barack Obama nos mandou para cá para dar assistência ao governo do Haiti e estaremos aqui até quando eles precisarem", num sentido muito claro que, não importa que hierarquia ONU tenha criado. Os Estados Unidos estão sempre acima dela. Como o presidente dos Estados Unidos determinou que os soldados liderassem a missão, que o mundo diga amém.

O que acontece de agora em diante, tende a ser exatamente um “Não vale a pena ver de novo”. Não há dúvida alguma de que os EUA tem poder para reconstruir o Haiti de cabo a rabo, e torna-lo um modelo de país na América central, mas corre o risco de se tornar mais uma ‘colônia’ americana, como ocorreu no Afeganistão, Iraque, no Panamá e no próprio Haiti na década de noventa. A diferença é que nesta briga de egos, o Brasil não recebe mais determinações norte-americanas calado e, há uma iminente crise diplomática sobre o estabelecimento de hierarquias e influência naquela parte da ilha.

As ajudas humanitárias aparentemente são a causa fundamental da presença de ambos no país, mas por debaixo dos panos, temos um ancião brigando com um adolescente. Quem vai ganhar a discussão? Esperamos que seja o povo haitiano.