terça-feira, 9 de março de 2010

Morro da Quizumba - Parte II


Lembro-me como se fosse ontem, estávamos em casa assistindo televisão quando ouvimos rajadas de metralhadora, foi aquela correria, todo mundo se jogou no chão da sala, minha mãe saiu correndo pra fechar as portas e janelas, as rajadas ensurdecedoras continuavam como se estivessem na nossa porta, meu coração quase pulava pela boca de tanto medo. 


Então ouvimos um estrondo muito forte e a energia elétrica caiu. Parecia que estávamos no umbral, ouvimos os bandidos gritando uns aos outros do lado de fora que era invasão do morro do Caramujo, e atiravam morro abaixo, enquanto os invasores atiravam morro acima, sem rumo nenhum, pois a escuridão era cega, várias balas acertaram a nossa casa, o terror aumentava e todos nós juntos, abraçados no chão, suando durante horas com aquele show pirotécnico, olhei por uma fresta da janela do quarto e vi as balas traçantes riscando o céu, joguei-me no chão novamente, e ouvi minha mãe rezando, pois meu pai sempre trabalhou durante a noite e estava na rua naquele instante, e meus primos envolvidos também estavam na rua, no meio da bandidagem. Aterrorizados, ouvimos á distância um grito que se aproximava cada vez mais de nossa casa. 


Um dos bandidos invasores tinha pego o Deco, e o arrastava pelos cabelos pelas escadarias. Ele gritava pelo amor de deus, acho que deus não deve ter ouvido, ou estava muito longe naquela hora. Deco estava tão flagelado por ter sido arrastado morro acima, que parte de sua carne ficou presa pelas escadarias, aquela dor doía em nós, que desespero, jogaram o primo atrás de nossa casa, e enquanto pedia pelo amor de deus por sua vida, os invasores pegaram uma faca, amarraram num poste, e começaram a rir em êxtase enquanto cortavam aos poucos parte dos seus dedos das mãos, e os gritos aumentavam na mesma intensidade das gargalhada dos algozes, em seguida cortaram-lhe partes do braço e as orelhas, os gritos de Deco pararam. Não sabia se tinha morrido naquela hora ou desmaiado de tanta dor.

Meu tio Geraldo, como todo pai, desesperado correu para fora de casa para pedir pelo filho. Não deixaram sequer tio Geraldo falar mais que algumas frases, atiraram em sua cabeça, e disseram: "Isso é por você ter criado esse filho da puta". Minha mãe desmaiou no chão, minha avó teve crise nervosa. Realmente estávamos no inferno, e aquela noite não passava nunca. Diziam:

-    Traz esse viado aqui...

-          Pega logo essa porra desses pneu malandro, vamo fazê churrasco pra dar pra esses vagabundos saberem quem manda nessa porra! - Cadê a gasolina cumpadi?! (gritando) Cadê a porra da Gasolina cumpadi?! Fica ligado malandro, senão tu dança também. - Fica ligado aí, se subir x9 tu manda chumbo na lata - Aê cambada de bosta! (gritando aos moradores que estavam com certeza ouvindo), Vocês vão ver quem manda nessa porra! A Quizumba é nossa! E o safado que tentar peitar a gente vai tomar no cu bonito! Tô fazendo um churrasco aqui pra vocês! (gargalhadas, que escuto até hoje) 


-  Isso aí malandro, molha esse cretino, dexa ele bem ensopado que é pra fritar melhor... (tempo) pega o isqueiro... enfia esse viado dentro desses pneu que tu juntou, anda logo malandro, tá de caô?!... - Agora taca fogo nessa merda e deixa ele fritar! (gargalhadas)

Meu deus do céu, que agonia dentro de casa, não podíamos fazer nada, e isso doía, era como se estivéssemos num filme de terror, era como se tudo não passasse de um pesadelo e que eu iria acordar a qualquer momento. 

De repente o Deco acordou, e estava gritando horrivelmente, sua carne estava sendo queimada; por deus, ele ainda estava vivo! A borracha dos pnues derretia em seu corpo que queimava, e seus gritos com o tempo cessaram. 

Com certeza ali ele morreu, naquele instante, entre risadas, xingamentos, ao nosso lado, não podíamos fazer nada, e o corpo de meu tio ali a poucos metros de distância do filho. Como era de se esperar, o cheiro de carne queimada com borracha começou a invadir nossa casa e a vizinhança, vomitamos ali mesmo, todos nós, mas estávamos aterrorizados demais para conseguirmos nos mexer.

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