segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A GRANJA



Fui a granja da cidade baixa,
Veja só que coisa que aconteceu
Os pintinhos crescem soltos nas ruas
E a galinha mais esperta, morreu.

Vem o dono com milho na mão
E o galinheiro fez revoada
Pra comer tem uma condição:
Abaixar a cabeça meu irmão

Na granja da cidade baixa
As galinhas morrem pro galo viver
Na granja da cidade baixa
Aquele que voa pede pra morrer


Conheci um galo na cidade baixa
Crista de doutor, pinote pro alto
Mostrava autoridade e integridade
Mas cagava na pata e jogava no mato

Olha o milho galinhada!
Fica calada pra comer
Se não quiser virar canjada
Não fechar o bico démodé!

Mata a choca, mata a magra,
Mata o galinho garnisé,
Mata o pintinho magricela
Pra fama da granja – crescer!

Bota ordem nessa zorra,
Manda mais quem canta mais alto,
O cutelo ta na mão
E o Zé Maria não é Ave não!

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Os rios do meu Rio



Por entre os rios de águas outrora límpidas do Rio,
Hoje correm rastros de sangue
O cheiro das frutas e da flora de Debret
Hoje cheira a carne humana queimada, os morros sumiram
Os pulgueiros do Centro sumiram,
Mas brotaram os barracos de zinco e madeira nas encostas,
Pensa-se que o pobre de nada mais precisa
Seu barraco é de alvenaria rota
Hoje é entretido; a televisão o atordoa, adormece a miséria
A geladeira já é regra, guarda litros de água em garrafas pet
As escadas infinitas não rumam ao céu,
Servem de pagamento de promessas eternas.
Meu velho sargento de milícias,
Deu lugar as milícias da periferia
Quem será o milico? Hoje quem é bandido?
Onde anda o velho Vidigal, terror dos malandros
Há vários Rios no meu Rio, há várias eras nesse tempo
O retorno da Inquisição
Não queimam mais bruxas,
as fogueiras de corpos dos perseguidos são feitas de borracha de pneu
As marquises são abrigos permanentes dos mendigos
Os semáforos viraram picadeiros ao ar livre,
Onde os palhaços são carentes, seus olhares não causam graça,
Trazem constrangimento a quem esta em melhores condições.
Que se queimem ônibus, corpos, bandeiras e morais.
A cidade da perdição parece não ter limite
Ainda xingam os ciganos
Ainda chacoteiam os negros
Ainda excluem homossexuais
Ainda explora-se crianças sexualmente
Ainda finge-se que se educa
Festas eternas para disfarçar as mazelas
Rios de hipocrisia no meu Rio
Rios de alienação
Hoje pior que ontem, amanhã tomam-lhe o pão.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Coração Viciado


Quando o coração aperta pela primeira vez, todos os dias anteriores parecem ter sido inúteis. E se pensa em como foi possível viver tantos anos sem esse fogo que consome o corpo e entorpece a alma, se será possível um dia continuar sem ele.

L’amour é vício, e como sofro nas crises de abstinência. Tento me afiliar aos Amantes Anônimos buscando uma cura para esse mal, que me deixa maltrapilho.

Se fosse cocaína, venderia meu carro, minha casa, se fosse crack venderia os eletrônicos, meu laptop, meu corpo; ah mas se fosse álcool eu me jogaria na sarjeta e venderia a prata da casa, pra viver louco enquanto o efeito durasse.
Mas não, essa droga é pior e não há tratamento, é furor nas veias, é a nóia mais deliciosa do mundo, o barato dos baratos, psicodélico e transmutador.
Quando a droga é injetada no coração, pode ter certeza de que está eternamente condenado à escravidão. E você precisa de mais e mais; doses cada vez maiores de paixão, amor e prazer. O gozo não é suficiente, a boca dormente não significa mais nada, o toque já não terá o mesmo efeito. Agora o desejo é o de fusão completa, é ele dentro de mim, e eu dentro dele, somos nós um só numa explosão de paz.

L’amour, que droga! Se sinto falta, não tenho o que vender, eu só penso em dar, não vendo prata, eu dou meu coração em salvas de prata, não vendo meus cds, eu canto e não cobro nada por isso, sequer vendo meus livros usados, eu escrevo cartas de amor, tampouco venderia meu carro, eu vou descalço pra sentir a telúria da força animal.

È coisa que não tem preço, e quase não tem tamanho, mas como todo vício, tem seus altos e baixos; como toda droga, leva a dependência e a derrocada. Por ser droga, pode te vencer e te destruir. Exposto com as vistas ao Sol voluntariamente, e todos os dias uma águia vem e arranca um pedaço das suas entranhas, você acha que não suporta mais, que vai morrer, que tudo terminou. Mas o órgão maldito trata de crescer alimentado por gotas de esperança, e quando menos espera; eis que vem novamente a ave de rapina e arranca-lhe mais um pedaço das entranhas.

Quem pode viver assim?! Como pode-se viver dessa maneira, não agüento, estou definhando com esse vício, estou atordoado, no limite entre o êxtase e a dor. Mais quantos meses, quantos dias... quantas horas? Sempre achei que a melhor maneira de se livrar de um vício, é desde o princípio, não experimentar a droga. Mas agora já provei do vinho envenenado, só me resta aguardar, e usar essa droga até a overdose, quem sabe tenha valido a pena.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Olha moça

Olha moça, você vem me perguntar como é a minha vida? Eu não tenho mais isso não moça... foi-se o tempo em que eu era viva, em que era alguma coisa.... pode não parecer, mas um dia eu já fui alguém na vida sim. Mas hoje não, eu não tenho mais isso.

Sabe que até é engraçado você me perguntar isso. Eu era tão bonita, minha família tinha dinheiro e eu morava na zona sul. Eu passava e os homens olhavam acompanhando, assobiavam, mexiam comigo. Ai como era bom, eu fingia que eles nem existiam. Minha pele, você tinha que ver como minhas amigas morriam de inveja de tão sedosa que era, eu fazia tratamento estético pra pele toda semana moça, manicure, pedicure, cabeleireiro... nossa era um luxo só. Aquilo sim era vida, motorista pra lá e pra ca, shopping, viagens pra tudo que é lado.

Mas eu era tão idiota, nunca precisei estudar; pra que? Eu tinha tudo o que eu queria. Conheci um rapaz, ele era empresário, bonito, cheiroso, e tinha uma lábia... claro que eu caí feito uma idiota. Casei. Pouco tempo depois ele já tinha tomado tudo o que era meu. Cheguei em casa um dia, quando abri a porta do nosso quarto, tava aquela festa, três mulheres na minha cama... eu fiquei arrasada, chorei, gritei. Saí de casa a base de sopapos e chutes, a casa que era minha e o amor que era meu.
Eu não tinha mais pra onde ir, meus pais já tinham morrido, as amigas não eram realmente amigas, comecei a morar na rua, não tinha onde comer nem onde tomar banho. Os homens que eu fingia não ver, fingiam que não me viam, e comecei a ficar translúcida. O tempo foi me gastando e me sumindo... a minha pele começou a ficar suja, velha, enrugada e cheia dessas doenças de rua... hoje é isso que você vê moça... quem passa hoje nas ruas não me vê, se eu estiver deitada na calçada, passam por cima; se eu estou perto, prendem a respiração. Eu nesse frio com esse cobertor marrom tão fino quanto jornal, quando era gente estaria enrolada no edredon mais confortável e limpo dessa cidade. Mas eu sumi.
Agora fico vendo o tempo passar debaixo desse viaduto, nesse dia frio, enquanto esse povo todo comemora em Copacabana a festa das olimpíadas pra cidade.... o que certamente não mudará em nada minha existência. Dois mil e dezesseis, até lá eu já desapareci completamente minha senhora, você só me vi porque tem um bom coração; mas me deixa mais arrasada quando me pergunta, sobre minha vida. Eu não tenho isso moça, já tive, mas já está indo também; é só questão de tempo nesse lugar que cuida tão bem das vidas quanto desejam o lixo alheio no seu quintal.
Tudo é muito lindo, tudo é festa; praqueles que ainda vivem, como eu, existem muitos mortos e moribundos por aí moça; eu já tive vida... imagina aqueles que já nascem mortos e invisíveis, aqueles que nunca serão enxergados, e que desaparecerão antes mesmo de serem notados. Vou ficando por aqui, pode me deixar... um dia essa chuva me leva e a festa da cidade vai passar sobre meu corpo, o importante mesmo é comemorar... até a morte.