Se eu quero algo? Sim, traga um copo de vergonha na cara, pode ser um copo de cerâmica mesmo. Preciso tomar um pouco disso, me embriagar de vergonha na cara e cair na sarjeta, vomitando todas as coisas que não poderiam ser ditas.
Aproveite e me traga junto, a especialidade da casa, a decepção a frio. Aquela cortada a faca cega; que dilacera bem a carne, é exatamente essa que quero. E traga depressa que ainda quero sentir o sabor da dor. Quero sentir o odor que consegue me dar náuseas.
Como acompanhamento, traga a desilusão. Não há melhor alucinógeno. Também quero que enquanto saboreio este acompanhamento, minha mente se encha do desespero e da vontade de desaparecer. Reviver a genuína certeza do abandono, a mentira. Quero relembrar tudo aquilo que foi dito, e que foi jogado ao vento, só pra ter a certeza de que realmente fui infeliz nessa escolha.
Reserve uma mesa para dois, ao fundo do restaurante, ponha uma dinamite sobre a mesa no lugar das velas, e forre uma toalha passada do tempo, uma toalha negra em sinal de luto, pois é nela que o que restar do corpo será enrolado. Estarei presente com a verdade. Ela é minha convidada de honra para este jantar; e tudo aquilo que pedirmos, já terei mais que pago com todos esses anos.
Se houver piano, peça que toque a marcha fúnebre, já que o que estaremos conversando, dirá respeito ao fim definitivo de algo morto há tempos. E que toque suave, para que a verdade não fique demasiadamente tensa; quero que ela me diga tudo, em detalhes.
Quero que ela me conte o motivo da mentira, que comente sobre o medo de viver com riscos. Quero mostrar que viver, por si só, já é arriscado. Mas quero olhar profundamente nos seus olhos esverdeados e ver a sua alma. E se puder comentar qualquer coisa que seja, que seja uma gota do seu nome. Verdade.
Depois poderemos decidir se tomaremos juntos, o copo de vergonha na cara, ou se banquetearemos juntos a especialidade da casa. Até que enfim, um de nós dois terá a coragem, quem sabe, ou talvez a decência, ou ainda a generosidade de acender a dinamite sobre a mesa.
O que nos é servido nessa bandeja não passa de dopamina; estamos meu amor, há anos nesse jogo insano de palavras, estamos viciados um no outro. E o vício é triste, não nos cheiramos nem nos fumamos, nem nos bebemos, não nos tocamos nem nos beijamos, não nos vemos, nem sequer nos ouvimos, não nos falamos.
E por você, eu deixaria toda essa bagagem para trás, deixaria todo essa cidade, que é minha, deixaria o mundo, que me pertence. Por você.
Porém, a vida é feita de escolhas. Qual a sua?