quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Uma mesa para dois




Se eu quero algo? Sim, traga um copo de vergonha na cara, pode ser um copo de cerâmica mesmo. Preciso tomar um pouco disso, me embriagar de vergonha na cara e cair na sarjeta, vomitando todas as coisas que não poderiam ser ditas.

Aproveite e me traga junto, a especialidade da casa, a decepção a frio. Aquela cortada a faca cega; que dilacera bem a carne, é exatamente essa que quero. E traga depressa que ainda quero sentir o sabor da dor. Quero sentir o odor que consegue me dar náuseas.

Como acompanhamento, traga a desilusão. Não há melhor alucinógeno. Também quero que enquanto saboreio este acompanhamento, minha mente se encha do desespero e da vontade de desaparecer. Reviver a genuína certeza do abandono, a mentira. Quero relembrar tudo aquilo que foi dito, e que foi jogado ao vento, só pra ter a certeza de que realmente fui infeliz nessa escolha.

Reserve uma mesa para dois, ao fundo do restaurante, ponha uma dinamite sobre a mesa no lugar das velas, e forre uma toalha passada do tempo, uma toalha negra em sinal de luto, pois é nela que o que restar do corpo será enrolado. Estarei presente com a verdade. Ela é minha convidada de honra para este jantar; e tudo aquilo que pedirmos, já terei mais que pago com todos esses anos.

Se houver piano, peça que toque a marcha fúnebre, já que o que estaremos conversando, dirá respeito ao fim definitivo de algo morto há tempos. E que toque suave, para que a verdade não fique demasiadamente tensa; quero que ela me diga tudo, em detalhes.

Quero que ela me conte o motivo da mentira, que comente sobre o medo de viver com riscos. Quero mostrar que viver, por si só, já é arriscado. Mas quero olhar profundamente nos seus olhos esverdeados e ver a sua alma. E se puder comentar qualquer coisa que seja, que seja uma gota do seu nome. Verdade.

Depois poderemos decidir se tomaremos juntos, o copo de vergonha na cara, ou se banquetearemos juntos a especialidade da casa. Até que enfim, um de nós dois terá a coragem, quem sabe, ou talvez a decência, ou ainda a generosidade de acender a dinamite sobre a mesa.

O que nos é servido nessa bandeja não passa de dopamina; estamos meu amor, há anos nesse jogo insano de palavras, estamos viciados um no outro. E o vício é triste, não nos cheiramos nem nos fumamos, nem nos bebemos, não nos tocamos nem nos beijamos, não nos vemos, nem sequer nos ouvimos, não nos falamos.

E por você, eu deixaria toda essa bagagem para trás, deixaria todo essa cidade, que é minha, deixaria o mundo, que me pertence. Por você.
Porém, a vida é feita de escolhas. Qual a sua?

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O JECA EMPÍRICO

Arre homi, esse povo da cidade são tudo besta sô. Eu tive na casa do primo Jeremia la no Sum Paulo, num aguentei fica nem uma semana, só tem gente doida! Quando cheguei na rodoviára, aquele mundão de gente, um corre pra la e pra ca, parece ate que tinha gente morreno uai, pra que tanto aperreio! Pra andar mais rápido eles inventaram uma tal la de escada rodante, ocê num pricisa nem arriba os pé, ela já te leva la pro arto, ou pra baxo. Mas memo assim tem um monte que ainda anda correndo na tar da escada rodante.


O primo já tava la esperando ieu, e fumo de carro pra casa dele, modo de se instala né, catei as minha trouxa e fumo imbora; mas cumpadi… ieu nunca vi um mar de carro desse jeito homi! Eu já tava querendo cata as coisa e simbora de pé memo uai, tudo parado, diz eles que tava ingarrafado, mas num vi garrafa ninhuma por la não. Que mania de comprica as coisa, se pode ir de pe memo que nem nois faz, pra que andar de carro pra ficar parado sô!

Cheguemo la na casa do primo, tinha que ve a rua… só casa bacana… eles dizem que tem muito bandido na cidade grande, mas quem fica preso memo é quem não ta na bandidage cumpadi, as casa tudo cums baita muro com mais de três metro de artura de fora a fora… aqui nóis num ta precisado disso… oiei mas num falei nada cadiquê o primo ia falar que eu sou jeca ne…

Num vi vaca, num vi as galinha, num vi riacho… quer dizer, ate passemo num luga la que tinha uma vala que mais parecia aquelas lavagi de porco… diz o primo que aquilo ali é rio… até rio de cidade grande é diferente. Num vi cavalo, num vi carroça, as moça tudo prendada, moça chique qui num óia nem pros lado, homi tudo vestido que nem dotô, que tomém num óia pros lado; ninguém da ‘dia!’… ninguém da ‘tarde!’ e ninguém da ‘noite!’. Se te conhece, finge que não vê, e se ocê for desconhecido memo, é a mema coisa de ser um estrume de vaca na estrada cumpadi!

Mas aí então, fumo toma um café né, a muié dele não faz nada, tem empregada na casa… oiei pros lado… num vi moinho não, é tudo chique, o café já vem torrado, moído e dentro de um saco, eles até acham que é bão né… mas o gosto não é o memo não, mas ieu bebi assim memo modi não ser mal educado ne. Mas rapaz… e quando a muié trouxe o leite, vem tudo numa caixinha de papelão, mas tem gosto de nada cumpadi! Água pura, as vaca deve se remoê de ódio… o leite num tem gordura, não tem nata, não tem sustança, não tem nada! E eles ainda acham que é bão! Pior… a muié trouxe a manteiga, uai… eu disse ‘que mantega branca é essa primo..’ ele disse que é margarina… té a mantega eles mudaram cumpadi, gosto de nada, nem furmiga gosta daquilo… e eles ainda acham chique, muderno… A galinha já vem morta, dentro de um saco de plastico, e congelada… mas eu num vi galinheiro ali… quando fui cume cumpadi… claro ne… a galinha tomém não tem gosto de nada, parecia que tava mordendo um pedaço de capim, e os osso? Tudo fraco, mais mole que num sei o que.

A minha subrinha, mocinha, toda formosa… só quer namorar com computador agora, é um chamego… é de manhã, é de tarde e de noite, madrugada… diz ela que fala com um homi la dentro, mas tomém deve de ser mais uma doida ne, naquela cidade só tem lelé… As véia tudo com cara de encerada, uma boca com os beiço largo, os óio puxado, ocê num sabe se elas tão rindo ou chorando! As nova tudo com umas bola de plástico nas teta pra fica maior. Agora ocê vê… se é magra quer ficar gorda, se é gorda quer ficar magra, se tem pixaim que alisá, se tem liso quer frisá, se ta frio querem calor se ta quente querem ar, se não tem bunda bote plástico, se tem muita bunda manda cortá…

Tem tanta gente que as polícia ta matando que nem frango, é tanto tiro e fogos que São João la parece ser o ano inteiro, umas batucadas estranha em que todo mundo fica cantando semvergonhice, é criança, é adulto, é véio; muié andando que nem rapariga na rua, os menino andando que nem muié, gente que não acaba mais comendo coisa do lixo, criança de vagabundage na rua… se tivesse pelo menos uns pé de fruta no meio daquele monte de estrada dava pra matar um pouco da fome ne cumpadi.

Eles se acham tudo muito esperto, mas já casam pensando na separação, só ama pensando no retorno que vão ter, só oiam pro proprio nariz… mas num come bem, não tem amigo de verdade que nem sós temo aqui, não se ajuda como nóis se ajuda, fazem as coisa modo de facilita a vida, mas quanto mais fácil a vida ta, mais se complicam pra descomplicar, mais se matam, menos vive… e nem sabem que não vivem. Sabe porque cumpadi? Porque eles não tem tempo pra ver que o tempo ta passando.

E é por isso que vim embora logo… uma semana naquele hospício já me envelheceu um ano! E vamo toca viola que o tempo é nóis quem faz!