quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A busca da Origem

No dia em que rasguei o véu de minha ilusão, comecei a busca pelas causas primárias de minha existência, iniciei uma busca pela matriz de todas as coisas que podem ser observadas pelos sentidos comuns, ou não.


Na noite de minha existência todos os segundos pareciam ser os últimos; únicos e absolutos, era necessário aproveitar cada um deles com profundo gozo, antes que viesse a morte e ceifasse minha vida, e logo após tornaria a ser o que fui antes de nascer, nada. Este era motivo de grande aflição, o fim desesperador, a extinção de uma consciência. 


Teria eu vindo do nada e ao nada retornaria? Não seria possível, o corpo físico que carrego não surgiu do nada, fora formado basicamente, e secundariamente por matéria de estrelas, e realmente posso estar carregando um pedaço de árvore, de qualquer vegetal, de mineral, de animal, esta árvore pode ter absorvido minerais, ou matéria orgânica de outras pessoas. Mas além de tudo isso, desse círculo infindável, deve ter surgido um início. O primeiro de todos, de onde veio? Como veio?


Como parece ser impossível responder a estas perguntas em nosso atual patamar consciencial, buscamos causas secundárias, terciárias, e assim por diante, mas causas que antecedem o resultado. Como o resultado possui quase infinitas causas que remontam desde o “início dos tempos”, a análise deve ser feita de maneira retrospecta.


Nasci no dia sete de novembro de 1984, na cidade do Rio de Janeiro, mas onde estava antes disso? Não creio que metade de mim estivesse com meu pai e outra metade com minha mãe, esta é a penas a parte que se toca, a parcela óbvia que se vê; talvez tenhamos até mais de nossa mãe que de nosso pai, afinal é comum que passemos nove meses em contato direto com nossa matriz. Qualquer possibilidade de perda ou prejuízo desta matriz nos causa aflição, já com o pai não é na mesma intensidade.


De onde vieram os pensamentos? Como surgiu o raciocínio, a lingüagem, a empatia e a antipatia, é tudo baseado em que? Que causa? Algumas das últimas perguntas parecem ser mais simples de encontrar a causa (Resultado-X), as simpatias são causadas por afinidades de personalidade e o que está um ponto além, afinidade energética mesmo, mais profundo, não preciso provar isso cientificamente aos cientistas de plantão. 


Eis um ponto crítico entre a alienação e a razão… Qual o limite entre o físico e o etéreo?! Quando e como o etéreo afeta no físico e com o físico afeta o etéreo? Do que é feito o pensamento? “Ondas eletromagnéticas”, será mesmo? Nosso conhecimento é tão limitado que não podemos dizer ao certo o que é certo e o que é errado, que loucura uma máquina que pensa sobre si mesma, uma coisa que busca seu código fonte, seu criador ou seja lá o que for. Se a psicosomatização é possível e lógica, qual o limite do impossível?


Por que convencionou-se dizer que o norte é norte e o sul é sul?! E se na verdade estivermos de “cabeça pra baixo”? Como podemos estar suspensos no meio do nada?! “Falta de gravidade”, ou será que este planeta é como uma grande bola boiando numa massa gigantesca e muito densa?! Quanto de energia deve ser condensada para formar matéria?! Quanto de pensamento deve ser potencializado para formar matéria? Quais as portas que nos serram no tempo? Onde estão as cordas para esticar a linha que nos prende? Quem fez isso tudo? E outra, com que razão fez isso tudo, não lhe parece coincidência demais a organização da natureza? Que força tão potente é essa em que estamos inseridos?


Que os céticos me queimem na fogueira, mas por mais que pesquisem, chegará um ponto de nossas pobres inteligências em que não poderemos mais negar que todas as impossibilidades e possibilidades se fundem de uma maneira tão estrondosa, e talvez tão simples, que só podemos resumir a causa primária, a matriz, a uma simples palavra utilizada desde que o homem começou a rasgar o véu de sua ignorância. DEUS, talvez não seja á toa que num livro bem velho, algum homem tenha escrito o que supostamente deus teria dito. “Eu sou o alfa e o ômega”, o início leva ao fim, e como o fim é o início, tudo é tudo, é TAO.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Como negociar multas no Rio

      Sempre fala-se mal da polícia carioca, diz-se que são corruptos e piores que a bandidagem já instituída no Rio. Esse tipo de declaração já tornou-se clichê. Não gosto de generalizar em nada, pois em todos os setores há profissionais corruptos que fazem vergonha para a classe.  Porém, pude comprovar nessa semana que a coisa é mais naturalizada do que imaginava.

Saí do centro da cidade para ir a uma empresa em Ramos, próximo ao famigerado Complexo do Alemão; nunca havia estado naquele local, então o motorista da empresa me levou; ele, obviamente no volante, e eu no banco do carona, com óculos escuros.

Sequer o motorista sabia a localização exata da bendita rua; porém, nossos tempos trouxeram a tecnologia do Google Maps! Sinceramente, não sei como as pessoas conseguiam se virar há dez anos atrás sem essa facilidade tecnológica.

Mesmo assim, um motorista enrolado, um carona mal-humorado, e um pedaço de mapa impresso num papel, são capazes de coisas absurdas; como chegamos próximo ao local, mas sem sucesso de chegar, encostamos próximo a uma loja de tintas para pedir informações. O motorista saiu, eu permaneci, mas pela janela vejo o motorista enrolado confirmando com a cabeça que estava entendendo, e perguntando a mesma coisa dez vezes seguidas. A pessoa informou que ele deveria seguir a primeira rua a esquerda que chegaríamos ao local. Pois bem, este era um cruzamento movimentado.

O nosso amigo estabanado, ligou a seta e se mandou para a esquerda, quando um policial militar o mandou encostar. E eu pensei... “Só me faltava essa”....  o nosso querido policial, já permanece num lugar estratégico. Não esta no cruzamento observando o trânsito, mas escondido na saída da esquerda. O motorista abre o vidro ao meu lado e o policial se aproxima.

“Amigo, você não viu que é proibido virar a esquerda ali?”
“Ah seu guarda, mas me informaram que eu poderia, é porque não conheço muito bem...”
“Tem uma placa gigantesca ali, indicando que você deveria ter contornado o quarteirão para entrar nessa rua, você não viu? A placa é enorme!”


(Permaneci em silêncio, pois já estava mal-humorado, ainda com os óculos escuros, olhei para o policial de cima abaixo, já sabendo o que viria pela frente. Sem dizer nada, e sério, virei meu olhar para a frente como se ele não existisse. O motorista lerdinho, também entendeu bem o recado e saiu do carro para conversar com o policial)

“Deixa eu te explicar, eu preciso levar o rapaz aqui na rua tal... mas não sei como chegar, já entramos em várias ruas erradas, pedi informação ali na esquina e me disseram que eu poderia virar aqui...”
“Você esta sabendo que isso é passível de multa né... são Cento e Oitenta Reais... vou ter que te dar uma canetada...”
“Mas não tem outra forma.... um jeito de quebrar o galho?....”
“Uma onça.”
“Poxa amigo, eu só to com vinte aqui...”
“Ta beleza, ta beleza...”


O motorista, por sua vez, entrou no carro, abriu a carteira e tirou a única nota que tinha, uma de vinte, e já estava saindo do carro para entregar o dinheiro para o guarda, quando aquele meteu a cabeça pela minha janela....

“Não sai não... não precisa sair não... assina aqui a multa...

Estendeu o bloco exatamente na minha frente, e eu olhando fixamente para a frente de óculos escuros não acreditando naquela cena. E repetiu:

“Assina aqui a multa.... “ (Levantando o bloco de anotações de multa para que o motorista colocasse a nota. Depois disse:)

          “Valeu amigo, olha, pra chegar nessa rua é fácil, você segue aqui a direita, depois você pega a rua até o final, na praça, e então vira a primeira a esquerda, é a rua que você tá procurando ta?!”

Uma simpatia assustadora, uma cena constrangedora, um talento perdido. Aquele PM poderia trabalhar em novelas como ator. Depois que o motorista deu partida, comentou comigo.

            “É melhor perder vinte do que cento e oitenta né...”

E eu:

“É... “ em surpresa profunda.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Uma mesa para dois




Se eu quero algo? Sim, traga um copo de vergonha na cara, pode ser um copo de cerâmica mesmo. Preciso tomar um pouco disso, me embriagar de vergonha na cara e cair na sarjeta, vomitando todas as coisas que não poderiam ser ditas.

Aproveite e me traga junto, a especialidade da casa, a decepção a frio. Aquela cortada a faca cega; que dilacera bem a carne, é exatamente essa que quero. E traga depressa que ainda quero sentir o sabor da dor. Quero sentir o odor que consegue me dar náuseas.

Como acompanhamento, traga a desilusão. Não há melhor alucinógeno. Também quero que enquanto saboreio este acompanhamento, minha mente se encha do desespero e da vontade de desaparecer. Reviver a genuína certeza do abandono, a mentira. Quero relembrar tudo aquilo que foi dito, e que foi jogado ao vento, só pra ter a certeza de que realmente fui infeliz nessa escolha.

Reserve uma mesa para dois, ao fundo do restaurante, ponha uma dinamite sobre a mesa no lugar das velas, e forre uma toalha passada do tempo, uma toalha negra em sinal de luto, pois é nela que o que restar do corpo será enrolado. Estarei presente com a verdade. Ela é minha convidada de honra para este jantar; e tudo aquilo que pedirmos, já terei mais que pago com todos esses anos.

Se houver piano, peça que toque a marcha fúnebre, já que o que estaremos conversando, dirá respeito ao fim definitivo de algo morto há tempos. E que toque suave, para que a verdade não fique demasiadamente tensa; quero que ela me diga tudo, em detalhes.

Quero que ela me conte o motivo da mentira, que comente sobre o medo de viver com riscos. Quero mostrar que viver, por si só, já é arriscado. Mas quero olhar profundamente nos seus olhos esverdeados e ver a sua alma. E se puder comentar qualquer coisa que seja, que seja uma gota do seu nome. Verdade.

Depois poderemos decidir se tomaremos juntos, o copo de vergonha na cara, ou se banquetearemos juntos a especialidade da casa. Até que enfim, um de nós dois terá a coragem, quem sabe, ou talvez a decência, ou ainda a generosidade de acender a dinamite sobre a mesa.

O que nos é servido nessa bandeja não passa de dopamina; estamos meu amor, há anos nesse jogo insano de palavras, estamos viciados um no outro. E o vício é triste, não nos cheiramos nem nos fumamos, nem nos bebemos, não nos tocamos nem nos beijamos, não nos vemos, nem sequer nos ouvimos, não nos falamos.

E por você, eu deixaria toda essa bagagem para trás, deixaria todo essa cidade, que é minha, deixaria o mundo, que me pertence. Por você.
Porém, a vida é feita de escolhas. Qual a sua?

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O JECA EMPÍRICO

Arre homi, esse povo da cidade são tudo besta sô. Eu tive na casa do primo Jeremia la no Sum Paulo, num aguentei fica nem uma semana, só tem gente doida! Quando cheguei na rodoviára, aquele mundão de gente, um corre pra la e pra ca, parece ate que tinha gente morreno uai, pra que tanto aperreio! Pra andar mais rápido eles inventaram uma tal la de escada rodante, ocê num pricisa nem arriba os pé, ela já te leva la pro arto, ou pra baxo. Mas memo assim tem um monte que ainda anda correndo na tar da escada rodante.


O primo já tava la esperando ieu, e fumo de carro pra casa dele, modo de se instala né, catei as minha trouxa e fumo imbora; mas cumpadi… ieu nunca vi um mar de carro desse jeito homi! Eu já tava querendo cata as coisa e simbora de pé memo uai, tudo parado, diz eles que tava ingarrafado, mas num vi garrafa ninhuma por la não. Que mania de comprica as coisa, se pode ir de pe memo que nem nois faz, pra que andar de carro pra ficar parado sô!

Cheguemo la na casa do primo, tinha que ve a rua… só casa bacana… eles dizem que tem muito bandido na cidade grande, mas quem fica preso memo é quem não ta na bandidage cumpadi, as casa tudo cums baita muro com mais de três metro de artura de fora a fora… aqui nóis num ta precisado disso… oiei mas num falei nada cadiquê o primo ia falar que eu sou jeca ne…

Num vi vaca, num vi as galinha, num vi riacho… quer dizer, ate passemo num luga la que tinha uma vala que mais parecia aquelas lavagi de porco… diz o primo que aquilo ali é rio… até rio de cidade grande é diferente. Num vi cavalo, num vi carroça, as moça tudo prendada, moça chique qui num óia nem pros lado, homi tudo vestido que nem dotô, que tomém num óia pros lado; ninguém da ‘dia!’… ninguém da ‘tarde!’ e ninguém da ‘noite!’. Se te conhece, finge que não vê, e se ocê for desconhecido memo, é a mema coisa de ser um estrume de vaca na estrada cumpadi!

Mas aí então, fumo toma um café né, a muié dele não faz nada, tem empregada na casa… oiei pros lado… num vi moinho não, é tudo chique, o café já vem torrado, moído e dentro de um saco, eles até acham que é bão né… mas o gosto não é o memo não, mas ieu bebi assim memo modi não ser mal educado ne. Mas rapaz… e quando a muié trouxe o leite, vem tudo numa caixinha de papelão, mas tem gosto de nada cumpadi! Água pura, as vaca deve se remoê de ódio… o leite num tem gordura, não tem nata, não tem sustança, não tem nada! E eles ainda acham que é bão! Pior… a muié trouxe a manteiga, uai… eu disse ‘que mantega branca é essa primo..’ ele disse que é margarina… té a mantega eles mudaram cumpadi, gosto de nada, nem furmiga gosta daquilo… e eles ainda acham chique, muderno… A galinha já vem morta, dentro de um saco de plastico, e congelada… mas eu num vi galinheiro ali… quando fui cume cumpadi… claro ne… a galinha tomém não tem gosto de nada, parecia que tava mordendo um pedaço de capim, e os osso? Tudo fraco, mais mole que num sei o que.

A minha subrinha, mocinha, toda formosa… só quer namorar com computador agora, é um chamego… é de manhã, é de tarde e de noite, madrugada… diz ela que fala com um homi la dentro, mas tomém deve de ser mais uma doida ne, naquela cidade só tem lelé… As véia tudo com cara de encerada, uma boca com os beiço largo, os óio puxado, ocê num sabe se elas tão rindo ou chorando! As nova tudo com umas bola de plástico nas teta pra fica maior. Agora ocê vê… se é magra quer ficar gorda, se é gorda quer ficar magra, se tem pixaim que alisá, se tem liso quer frisá, se ta frio querem calor se ta quente querem ar, se não tem bunda bote plástico, se tem muita bunda manda cortá…

Tem tanta gente que as polícia ta matando que nem frango, é tanto tiro e fogos que São João la parece ser o ano inteiro, umas batucadas estranha em que todo mundo fica cantando semvergonhice, é criança, é adulto, é véio; muié andando que nem rapariga na rua, os menino andando que nem muié, gente que não acaba mais comendo coisa do lixo, criança de vagabundage na rua… se tivesse pelo menos uns pé de fruta no meio daquele monte de estrada dava pra matar um pouco da fome ne cumpadi.

Eles se acham tudo muito esperto, mas já casam pensando na separação, só ama pensando no retorno que vão ter, só oiam pro proprio nariz… mas num come bem, não tem amigo de verdade que nem sós temo aqui, não se ajuda como nóis se ajuda, fazem as coisa modo de facilita a vida, mas quanto mais fácil a vida ta, mais se complicam pra descomplicar, mais se matam, menos vive… e nem sabem que não vivem. Sabe porque cumpadi? Porque eles não tem tempo pra ver que o tempo ta passando.

E é por isso que vim embora logo… uma semana naquele hospício já me envelheceu um ano! E vamo toca viola que o tempo é nóis quem faz!

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A GRANJA



Fui a granja da cidade baixa,
Veja só que coisa que aconteceu
Os pintinhos crescem soltos nas ruas
E a galinha mais esperta, morreu.

Vem o dono com milho na mão
E o galinheiro fez revoada
Pra comer tem uma condição:
Abaixar a cabeça meu irmão

Na granja da cidade baixa
As galinhas morrem pro galo viver
Na granja da cidade baixa
Aquele que voa pede pra morrer


Conheci um galo na cidade baixa
Crista de doutor, pinote pro alto
Mostrava autoridade e integridade
Mas cagava na pata e jogava no mato

Olha o milho galinhada!
Fica calada pra comer
Se não quiser virar canjada
Não fechar o bico démodé!

Mata a choca, mata a magra,
Mata o galinho garnisé,
Mata o pintinho magricela
Pra fama da granja – crescer!

Bota ordem nessa zorra,
Manda mais quem canta mais alto,
O cutelo ta na mão
E o Zé Maria não é Ave não!

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Os rios do meu Rio



Por entre os rios de águas outrora límpidas do Rio,
Hoje correm rastros de sangue
O cheiro das frutas e da flora de Debret
Hoje cheira a carne humana queimada, os morros sumiram
Os pulgueiros do Centro sumiram,
Mas brotaram os barracos de zinco e madeira nas encostas,
Pensa-se que o pobre de nada mais precisa
Seu barraco é de alvenaria rota
Hoje é entretido; a televisão o atordoa, adormece a miséria
A geladeira já é regra, guarda litros de água em garrafas pet
As escadas infinitas não rumam ao céu,
Servem de pagamento de promessas eternas.
Meu velho sargento de milícias,
Deu lugar as milícias da periferia
Quem será o milico? Hoje quem é bandido?
Onde anda o velho Vidigal, terror dos malandros
Há vários Rios no meu Rio, há várias eras nesse tempo
O retorno da Inquisição
Não queimam mais bruxas,
as fogueiras de corpos dos perseguidos são feitas de borracha de pneu
As marquises são abrigos permanentes dos mendigos
Os semáforos viraram picadeiros ao ar livre,
Onde os palhaços são carentes, seus olhares não causam graça,
Trazem constrangimento a quem esta em melhores condições.
Que se queimem ônibus, corpos, bandeiras e morais.
A cidade da perdição parece não ter limite
Ainda xingam os ciganos
Ainda chacoteiam os negros
Ainda excluem homossexuais
Ainda explora-se crianças sexualmente
Ainda finge-se que se educa
Festas eternas para disfarçar as mazelas
Rios de hipocrisia no meu Rio
Rios de alienação
Hoje pior que ontem, amanhã tomam-lhe o pão.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Coração Viciado


Quando o coração aperta pela primeira vez, todos os dias anteriores parecem ter sido inúteis. E se pensa em como foi possível viver tantos anos sem esse fogo que consome o corpo e entorpece a alma, se será possível um dia continuar sem ele.

L’amour é vício, e como sofro nas crises de abstinência. Tento me afiliar aos Amantes Anônimos buscando uma cura para esse mal, que me deixa maltrapilho.

Se fosse cocaína, venderia meu carro, minha casa, se fosse crack venderia os eletrônicos, meu laptop, meu corpo; ah mas se fosse álcool eu me jogaria na sarjeta e venderia a prata da casa, pra viver louco enquanto o efeito durasse.
Mas não, essa droga é pior e não há tratamento, é furor nas veias, é a nóia mais deliciosa do mundo, o barato dos baratos, psicodélico e transmutador.
Quando a droga é injetada no coração, pode ter certeza de que está eternamente condenado à escravidão. E você precisa de mais e mais; doses cada vez maiores de paixão, amor e prazer. O gozo não é suficiente, a boca dormente não significa mais nada, o toque já não terá o mesmo efeito. Agora o desejo é o de fusão completa, é ele dentro de mim, e eu dentro dele, somos nós um só numa explosão de paz.

L’amour, que droga! Se sinto falta, não tenho o que vender, eu só penso em dar, não vendo prata, eu dou meu coração em salvas de prata, não vendo meus cds, eu canto e não cobro nada por isso, sequer vendo meus livros usados, eu escrevo cartas de amor, tampouco venderia meu carro, eu vou descalço pra sentir a telúria da força animal.

È coisa que não tem preço, e quase não tem tamanho, mas como todo vício, tem seus altos e baixos; como toda droga, leva a dependência e a derrocada. Por ser droga, pode te vencer e te destruir. Exposto com as vistas ao Sol voluntariamente, e todos os dias uma águia vem e arranca um pedaço das suas entranhas, você acha que não suporta mais, que vai morrer, que tudo terminou. Mas o órgão maldito trata de crescer alimentado por gotas de esperança, e quando menos espera; eis que vem novamente a ave de rapina e arranca-lhe mais um pedaço das entranhas.

Quem pode viver assim?! Como pode-se viver dessa maneira, não agüento, estou definhando com esse vício, estou atordoado, no limite entre o êxtase e a dor. Mais quantos meses, quantos dias... quantas horas? Sempre achei que a melhor maneira de se livrar de um vício, é desde o princípio, não experimentar a droga. Mas agora já provei do vinho envenenado, só me resta aguardar, e usar essa droga até a overdose, quem sabe tenha valido a pena.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Olha moça

Olha moça, você vem me perguntar como é a minha vida? Eu não tenho mais isso não moça... foi-se o tempo em que eu era viva, em que era alguma coisa.... pode não parecer, mas um dia eu já fui alguém na vida sim. Mas hoje não, eu não tenho mais isso.

Sabe que até é engraçado você me perguntar isso. Eu era tão bonita, minha família tinha dinheiro e eu morava na zona sul. Eu passava e os homens olhavam acompanhando, assobiavam, mexiam comigo. Ai como era bom, eu fingia que eles nem existiam. Minha pele, você tinha que ver como minhas amigas morriam de inveja de tão sedosa que era, eu fazia tratamento estético pra pele toda semana moça, manicure, pedicure, cabeleireiro... nossa era um luxo só. Aquilo sim era vida, motorista pra lá e pra ca, shopping, viagens pra tudo que é lado.

Mas eu era tão idiota, nunca precisei estudar; pra que? Eu tinha tudo o que eu queria. Conheci um rapaz, ele era empresário, bonito, cheiroso, e tinha uma lábia... claro que eu caí feito uma idiota. Casei. Pouco tempo depois ele já tinha tomado tudo o que era meu. Cheguei em casa um dia, quando abri a porta do nosso quarto, tava aquela festa, três mulheres na minha cama... eu fiquei arrasada, chorei, gritei. Saí de casa a base de sopapos e chutes, a casa que era minha e o amor que era meu.
Eu não tinha mais pra onde ir, meus pais já tinham morrido, as amigas não eram realmente amigas, comecei a morar na rua, não tinha onde comer nem onde tomar banho. Os homens que eu fingia não ver, fingiam que não me viam, e comecei a ficar translúcida. O tempo foi me gastando e me sumindo... a minha pele começou a ficar suja, velha, enrugada e cheia dessas doenças de rua... hoje é isso que você vê moça... quem passa hoje nas ruas não me vê, se eu estiver deitada na calçada, passam por cima; se eu estou perto, prendem a respiração. Eu nesse frio com esse cobertor marrom tão fino quanto jornal, quando era gente estaria enrolada no edredon mais confortável e limpo dessa cidade. Mas eu sumi.
Agora fico vendo o tempo passar debaixo desse viaduto, nesse dia frio, enquanto esse povo todo comemora em Copacabana a festa das olimpíadas pra cidade.... o que certamente não mudará em nada minha existência. Dois mil e dezesseis, até lá eu já desapareci completamente minha senhora, você só me vi porque tem um bom coração; mas me deixa mais arrasada quando me pergunta, sobre minha vida. Eu não tenho isso moça, já tive, mas já está indo também; é só questão de tempo nesse lugar que cuida tão bem das vidas quanto desejam o lixo alheio no seu quintal.
Tudo é muito lindo, tudo é festa; praqueles que ainda vivem, como eu, existem muitos mortos e moribundos por aí moça; eu já tive vida... imagina aqueles que já nascem mortos e invisíveis, aqueles que nunca serão enxergados, e que desaparecerão antes mesmo de serem notados. Vou ficando por aqui, pode me deixar... um dia essa chuva me leva e a festa da cidade vai passar sobre meu corpo, o importante mesmo é comemorar... até a morte.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O tempo passa



O tempo passa,


Vejo-o da sacada, em minha rua vazia,


onde somente o tempo passa,


Somente eu e ele





Tão impetuoso que deixa marcas em minha pele


Tão triste que deixa o sal na minha face


Tão fugaz que me deixa sem chão





Enquanto passa sorri pra mim,


como se pudesse conter aquele sorriso


Tempo, por que me castigas


Não me diga mais quantos anos tem





Tortura os meus dias que nem sei mais quantas horas possuem


Você levou aqueles que muito amei e não permite que retornem


Você prende meu desejo com correntes invisíveis





Mas seu peso é tamanho que mal posso caminhar


Levou minha juventude antes que pudesse florescer


Diga-me, por que passa por aqui?


Vá para longe, afasta-se





Quero sentir a vida correndo em minhas veias,


Mas ainda assim, sei que estará misturado em seus fluidos


Você é o culpado da minha fraqueza, da minha paciência


O maior causador da minha tranquilidade e de minha insanidade





O tempo passa, passa por minha rua


Entra em minha casa, deita-se comigo, me ensina,


me vive, me mata, me some, me esquece.





terça-feira, 18 de agosto de 2009

Primogênita

Escrevo pela necessidade que tenho de abrir minha boca, na verdade escrevo pois fui alfabetizado, se não escrevesse, certamente desenharia.
Já escrevi assiduamente há alguns anos atrás, porém, com o passar do tempo percebi que não sabia de coisa alguma, tudo o que achava saber era nada, e senti-me terrivelmente vazio, sem o desejo nem a autocredibilidade para dizer qualquer coisa, uma vez que, sob minha perspectiva, nada está coberto integralmente de conhecimento; muito menos eu, com meus poucos anos de estrada e mais zilhares de coisas para aprender.
Acabei me convencendo de que as opiniões pessoais são lanças afiadas, quiçá agulhas em palheiros, onde você mesmo pode se furar. Pura ilusão, retrato de receio, e ingrediente fundamental para aumentar a massa de manobra.
Calei-me voluntariamente por anos, recolhi-me em minha mediocridade. Quanto mais se estuda mais se percebe de que nada se sabe; porém, a ótica que faltava era a de que ninguém é detentor único do conhecimento, mas todos são livres para expor suas visões sobre quaisquer assuntos a que se disponham a observar. E é essa soma que irá determinar a qualidade dos ativos pensantes da sociedade; a união das perspectivas de forma clara e na medida do possível, isenta de paixões.
Portanto, hoje rasgo o zíper da minha boca e passo um espanador na mente, tento isentar minha perspectiva de pré-julgamentos, de pré-conceitos e de pré-determinações, tornando-me uma tábua rasa preparada para o novo sempre.
Aqui deixarei um pouco da técnica científica de lado, pois em demasia tornar-me-ia o que fui anos atrás, e procurarei aprender com meus colegas de todos os lugares, os antigos e os novos, voltando a interação rica de que o discurso e a esperança continuam vivos, quando deixamos que a mente flua; e nos permitimos abrir ao novo e ao diferente. Essa é a alma da heterografia, já que a homogenia ideológica engessa a ação.

Boa viagem a todos!