segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Haiti – Terra da Esperança. Para quem?



O Haiti, após o desastre causado pelo terremoto do início de janeiro, tornou-se foco de todos os olhares mundiais, em todos os sentidos da palavra. Solidariamente, o mundo inteiro se comoveu, enviando dinheiro, alimentos, bebida e medicação aos milhares de sobreviventes e desabrigados. Soldados, principalmente de dois países, atuam na logística de fornecimento. Brasil e Estados Unidos. E conflitos a respeito de hierarquia, tem surgido durante a atuação de ambos. Por que razão o Haiti chama tanta atenção?


Além de ser reconhecidamente o país mais pobre das Américas, situa-se no Mar do Caribe, próximo a Cuba e de frente para a saída do canal do Panamá, única passagem de navios entre o Oceano Pacífico e o Atlântico. Como exemplo da importância deste canal, digamos que os Estados Unidos queiram transportar uma carga de grande importância militar ou econômica por via marítima, de Los Angeles, no Oeste, até Nova Jersey, no Leste. Esta embarcação deverá apenas cruzar o Canal do Panamá e brevemente chegará ao seu destino. Caso contrário, deveria descer todo o litoral da costa pacífica da América Latina, cruzar o sul do Chile e subir novamente todo o Atlântico para finalmente alcançar Nova Jersey. São muitos dias de viagem, são milhares de dólares em jogo, uma guerra se vence por meio de logística, e o tempo é questão crucial. O domínio do Mar do Caribe, é portanto peça chave para manutenção e proteção dos negócios norte-americanos. Cabe salientar, que este canal teve sua construção terminada com o apoio do presidente Roosevelt, no início do século XX, e custou a independência do Panamá. Claro que tudo tem seu preço, e este canal esteve sob administração exclusiva americana até o fim de 1999.

Por outro lado, temos o Brasil, buscando incansavelmente, por décadas a fio, um assento permanente no conselho de segurança na ONU. Este conselho é tão almejado pelo Brasil por ser de notoriedade internacional, onde os grandes sentam a mesa para conversas de adulto, e ditam as principais decisões mundiais. Somente para constar, fazem parte deste conselho, EUA, Rússia, China, França e Reino Unido. Que permanecem os mesmos ‘permanentes’ desde sua criação, em 1946.  No entanto, o Brasil não possui um histórico de interferências em conflitos militares para ter como base para pleitear este assento, sequer possui poder bélico ou econômico suficientes, se comparado aos demais. Normalmente sempre posto a margem, o Brasil tem a fama internacional de peacemaker, detentor de softpower, aquele que consegue, ou pretende apaziguar os ânimos belicosos, e tenta acabar com os conflitos internos em determinadas regiões, sem necessariamente usar armas.

Em 2004 fora criado no âmbito ONU, o MINUSTAH, sigla francesa que designa a missão para estabilização do Haiti, que já sofria com conflitos internos e a insurgência após a deposição do presidente Aristide. O Brasil chefiava a missão de paz, com sua experiência em favelas, poderia ser efetivo no ambiente haitiano, que se assemelhava as favelas cariocas. Este foi um dos grandes passos para a elevação internacional do Brasil na intervenção militar pacífica num país estrangeiro, claro, sob a tutela da ONU.

No dia 22 de janeiro, os Estados Unidos fizeram uma megaoperação midiática, reunindo os maiores astros de Hollywood, onde os astros do cinema atendiam ligações de doadores para o Haiti, e cantores fizeram shows em prol das vítimas para aumentar o número de doações. Jornalistas passaram a explorar a tragédia como um reality show, no verdadeiro sentido da palavra. Claro que todas as doações são extremamente válidas para auxílio e reconstrução; porém, esse é o típico poder midiático de comoção da opinião pública para validar uma ação iminente.


O expectador, claramente chocado, aceita intuitivamente, que é necessário que o ‘salvador do mundo’ entre em ação efetiva para libertar os sofredores. Tão logo, a ação ocupacional dos Estados Unidas tem grandes chances de ser aprovada pela sociedade, pelo menos pela americana. 

Pois temos exatamente neste instante, no palco do Haiti, um conflito de egos. Brasil e Estados unidos brigam, no sentido diplomático da palavra, para conquistar o reconhecimento internacional de líder da missão no Haiti. Durante encontro, o General Brasileiro, Floriano Peixoto Neto, chefe da missão de paz, diz que "Cada parte é muito bem definida, por meio de protocolo de entendimento, assinado pelas duas partes, o que nós faremos aqui", referindo-se ao fato de que, como o Brasil tem maior contingente atuando no Haiti, e a presença contínua desde 2004. Tem praticamente como natural a liderança brasileira.  Seu contraparte americano, General Ken Keen declarou que "O presidente Barack Obama nos mandou para cá para dar assistência ao governo do Haiti e estaremos aqui até quando eles precisarem", num sentido muito claro que, não importa que hierarquia ONU tenha criado. Os Estados Unidos estão sempre acima dela. Como o presidente dos Estados Unidos determinou que os soldados liderassem a missão, que o mundo diga amém.

O que acontece de agora em diante, tende a ser exatamente um “Não vale a pena ver de novo”. Não há dúvida alguma de que os EUA tem poder para reconstruir o Haiti de cabo a rabo, e torna-lo um modelo de país na América central, mas corre o risco de se tornar mais uma ‘colônia’ americana, como ocorreu no Afeganistão, Iraque, no Panamá e no próprio Haiti na década de noventa. A diferença é que nesta briga de egos, o Brasil não recebe mais determinações norte-americanas calado e, há uma iminente crise diplomática sobre o estabelecimento de hierarquias e influência naquela parte da ilha.

As ajudas humanitárias aparentemente são a causa fundamental da presença de ambos no país, mas por debaixo dos panos, temos um ancião brigando com um adolescente. Quem vai ganhar a discussão? Esperamos que seja o povo haitiano.

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