quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O castigo de Eva



Quando Adão e Eva foram expulsos do Jardim do Éden, Deus condenou Adão a arar a terra com o seu suor para que pudesse se alimentar, e a Eva, lhe deu as dores do parto. Mas os tempos mudaram bastante, além das dores do parto, Eva teve o acréscimo de também derreter no suor para conseguir alimento.
Na única pizzaria do edifício-garagem Menezes Cortes, no centro do Rio de Janeiro, trabalhou uma mulher chamada Eva. O sotaque nordestino não deixava dúvidas quanto a origem geográfica, sempre de cabelos presos, bom humor, e o uniforme verde e vermelho. Apesar do desgaste, aquela mulher com seu um metro e meio de altura, passava o dia inteiro de pé, rodando entre as apertadas mesas da pizzaria. Exposta ao calor e a prova de resistência física.
Quando me atendia, dizia sobre seu cansaço, sobre as horas sem fim de trabalho, o salário baixo, e a intransigência do gerente capataz, que as obrigava a trabalhar sem descanso durante todo o dia. Lamentava sobre o que ocorria, porém, mesmo assim, ela não perdia o bom humor.
Eis que Eva, como designado por Deus desde o princípio dos tempos, multiplicou-se. Sua barriga crescia assustadoramente, e praticamente esbarrava entre as mesas para servir aos clientes. Seu rosto ficou muito inchado, e sua perna igualmente. Sempre dizíamos que não deveria trabalhar até aquele tempo, a ponto de ter o bebê no salão da pizzaria. Local insalubre demais para uma grávida; mas como o mal da sociedade desigual, argumentava que precisava trabalhar de qualquer forma, e não poderia perder o emprego, mesmo sendo explorada.
De fato, todos os bebês um dia nascem. E Eva só não servia as mesas de resguardo, com o bebê num braço mamando ao peito, e na outra mão uma bandeja de pizza, porque pegaria muito mal para a empresa; não duvido que seria o desejo de seu gerente.
A lei 11.770, de 9 de setembro de 2008, amplia facultativamente a licença maternidade de quatro, para seis meses. Mas anteriormente, a lei 10.710/2003 já instituía como obrigatório o período de quatro meses ininterruptos. O Art.72 § 1°  desta Lei, diz que “cabe à empresa pagar o salário-maternidade devido à respectiva empregada gestante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço.” Logo, observa-se que a mãe não poderá de forma alguma ter prejuízo em sua remuneração por estar de licença.
Nossa Eva foi expulsa do Jardim do Éden, foi parar numa pizzaria, teve as dores do parto, e teve as dores psicológicas da iminência do desemprego após a licença. Retornou ao trabalho antes do período previsto, ainda sem recuperar-se totalmente do parto.
Sofreu complicações geradas por infecção, além de ser obrigada a permanecer de pe durante todo o dia como sua antiga rotina; e veio a falecer. Deixando no mundo mais uma criança órfã de mãe; pelos abusos trabalhistas que ainda existem no Brasil.
Inaceitável que em pleno ano 2010, ainda tenhamos esse tipo de situação ocorrendo na sociedade brasileira. Esse desrespeito com a mulher, com a infância e, com as leis trabalhistas.
Eva não retorna mais; espero que a justiça não permita que mais Evas sofram o castigo desnecessário da lenda.


2 comentários:

  1. Muito interessante a sua denúncia-literária, Clayton. Me interesso bastante por isso, e por relações internacionais como um todo. Fico feliz que tenha gostado dos textos no meu blog. Um abraço, Leonardo.

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  2. Muito interessante, de verdade, prendeu a minha atenção até o final da leitura.
    Que falha absurda da nossa sociedade, falta de respeito com o ser humano.
    Nada trará essa mulher devolta pra cuidar do seu filho, mas este e todos os estabelecimentos exploradores devem pagar. Um Abço, Cintia.

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